Se me perguntares o que é a morte,
juro que preferiria falar da vida.
Porém se insistires tanto
eu apenas diria:
eu apenas diria:
que a morte é uma besta-fera.
Uma consequência de tudo,
certo ou tardia.
certo ou tardia.
Uma mula velha perdida e endiabrada.
Um cio de cadela...
Uma jumenta tarada em disparada
com uma bicheira doída abaixo da cia
e além da sua cangaia torta.
Além de uma ferida braba sobre as costas.
A burra louca da vida...
correndo em disparada
como a nos levar pra longe no osso
ou na lua da sua sela
um tanto desgastada.
Uma égua parida e cansada
de tantas idas e vindas...
E se não for suficiente minha resposta,
direi ainda, que esta peste indigna
é uma megera ingrata que nos persegue.
Uma doença mal curada.
Uma íntima inimiga a nos pedir água
na soleira da nossa própria porta.
Ainda assim, se não for bastante,
direi também que a morte é indolente.
Uma topada forte, um aperreio de vida.
Uma pereba braba, uma pancada no baixo ventre.
Uma coisa feia, uma bruxa pelada.
Quem sabe, a própria besta fubana
Uma maldade da bixiga lixa.
Uma rapariga mundana.
Uma lagartixa choca.
Uma cagada de pato.
Uma indecente proposta.
Ainda, se a minha resposta não for boa,
direi também que a morte
é a mais indesejada das gentes.
Uma temeridade à toa, posto que é certa.
Uma cara feia e sisuda de coroa.
Um fantasma. Um cantada indelicada.
Uma asma noturna, uma dor de dente.
Uma sombra que nos acompanha.
Uma coisa ruim que que sempre enjoa.
Uma ladra que nos rouba dia e noite,
tanto a vida, quanto a paciência.
Ou ainda, quem sabe, uma covardia,
uma estrada longa, escura e desconhecida.
Uma fome dos seiscentos diabos
que por mais que nos coma, jamais sacia.
Uma macaca velha. Uma gia, uma serpente,
Uma sentença ingrata, uma inimiga.
Uma terrível visita inconveniente
que às vezes tarda mas nunca falta.
Uma coisa que nos atormenta, angustia e mata.
Uma abstração concreta.
Uma bicha amolengando a gente.
Uma doidice superlativa.
Uma brasa quente e sempre viva.
Uma filha da puta e de uma égua.
Uma légua tirana que nos cansa.
Um porre e uma ressaca de cana fubuia.
Uma ninfomaníaca, uma queda de jumenta.
Uma usura ressabiada.
Uma surra de cansanção, uma piada chata.
Uma briga de foice e faca às escuras.
Um canto de cerca. Uma dor lascada de barriga
acompanhada de uma caganeira.
Uma contradição existencial e política.
Uma estaca de jurema roxa
sobre a bunda e a consciência dos esnobes
que com seus dinheiros,
ainda se imaginam donos do mundo e da vida.
Uma praga. Uma alma penada noturna.
Uma comida insossa.
Uma metáfora estranha e esquisita.
Uma maldição que nunca passa.
Uma conta bancária absurda
que nunca se paga,
por mais que a gente insista.
Uma dívida cara, inexata e injusta.
Uma coisa ignóbil.
Um pá de chifre de mulher feia.
Um pá de chifre de mulher feia.
Um chupa-cabra...
Uma fera do pasto solta pelas estradas
e por toda vida,
que sempre nos mata, nos come e vomita.
......................................
(*) José Cícero
In "Minhas Metáforas Prediletas" - inédito/2014
Aurora - CE.
foto ilustrativa: http://3.bp.blogspot.com