Muito já se sabe sobre a história de Lampião em seus quase 20 anos de
intensas estripulias pelos sertões de sete estados nordestinos. Porém, ao
contrário daquilo que muitos ainda imaginam, inclusive bons pesquisadores e
outros “escribas livrescos”, há muito
ainda a ser desvendado e escrito acerca da saga lampiônica pelos grotões sertanejos.
Informações fundamentais para que se consiga de uma vez por todas, compreender
tal história e assim, fechar-se o imenso círculo narrativo de toda esta
complexa empreitada de quatro décadas chamada Cangaço.
De longe o mais importante fenômeno social já ocorrido nos sertões
nordestinos e que teve na figura humana e singular de Virgulino Ferreira da
Silva – o Lampião, o seu principal protagonista. Conquanto, quer seja como
herói ou como bandido, o certo é que Lampião representa até os dias atuais um
autêntico divisor de águas no que concerne à história sertaneja. Posto que,
depois dele o sertão nunca mais seria o mesmo.
Neste dualismo existencial, quer seja para o bem ou para o mal, os
feitos produzidos pelo vilabelense rei do cangaço entraram para à história como
algo imorredouro, fornecendo ainda
hoje combustíveis inesgotáveis para
grandes debates e discussões acaloradas. Algo tão comum quando se trata de
grandes personagens da história humana na sua dimensão universal.
O cangaço, portanto, com sua escalada de feitos e violências, a partir
de Lampião ocupou de vez grandes espaços na agenda sociopolítica do litoral,
chamando assim as atenções da opinião pública não somente de dentro do Brasil.
Fazendo com que a sociedade da época começasse a dá-se conta da péssima
situação de miséria, violência, injustiça, e abandono em que se encontrava
submetida populações inteiras dos sertões do Nordeste por anos intermináveis de
sofrimento e abandono. Só a partir de então, diria que efetivamente o sertão
dos esquecidos passou a fazer parte do país dos poderosos. Porém a história dos
oprimidos continuaria a ser escrita/descrita sob a pena dos vencedores.
O autor prof. José Cícero |
O fato é que, Lampião, a um só tempo, foi vítima e também responsável
por parte importante deste verdadeiro estado de barbárie quase absoluta que se
abatera sobre os rincões inóspitos e abandonados do interior do Nordeste pelos
poderes da capital. Razão porque(hoje mais do que nunca) é preciso analisar de
modo objetivo e distanciado de quaisquer ranços de ódio ou de paixões, as
muitas faces e roupagens com que se vestiu o espectro do cangaço em sua dimensão mais realista e mais cruel. Assim como todas as
motivações que se impuseram sobre os povos dos sertões forçando muitas vezes a
ingressarem na vida cangaceira, seja por vingança ou mesmo por pura necessidade
de sobrevivência.
Muitos dos quais como jagunços à serviços dos coronéis seus patrões. Depois,
como integrantes de grupos e subgrupos de temíveis cangaceiros que durante
aqueles anos infestaram a região de uma ponta a outra. No mais das vezes
indivíduos perigosos e sanguinolentos acostumados ao sofrimento de um mundo sem
lei para os quais a única lei que realmente valia era a “lei do cão”, cujo
roubo, a vingança, a morte e o uso da força
eram no senso comum de sua
maioria a expressão mais forte e mais sentida.
Neste aspecto, é possível muito bem se afirmar que a dinâmica do
coronelismo da época que grassava pelos sertões muito pouco se diferençava do
cangaço em seu modus operandi
corporificado por sua sanha absurda de criminalidade, opressão, pilhagem e
injustiça de toda sorte. De modo que, em ambos os casos, foram sempre os
sertanejos mais pobres, suas vítimas em potencial. E neste contexto em que se
precipitaram todos aqueles acontecimentos dantescos, Lampião e sua gente, seriam
apenas mais um, que por vingança, sobrevivência ou manutenção da honra acharam-se
no ‘direito’ de tentar fazer justiça pelas próprias mãos.
Como se percebe, mais uma evidência de que quando o Estado não se impõe
aos homens por um dever de justiça, os homens se voltam contra o Estado como
que pela justiça do dever. E assim, ambos se fazem criminosos, tanto pela
indiferença quanto pela omissão de todos em relação ao bem comum. E nesta
correlação de forças, o povo do sertão foi o grande derrotado.
Por conseguinte, com ou sem a marcante presença de Lampião(um homem que
se fez valente para não sucumbi), os sertões nordestinos nunca foram o tal ‘céu
de brigadeiro’ como se fingia crer a maioria perante a manutenção do status quo dos poderosos em sua aparente tranquilidade bizantina. Assim, de modo
um tanto quanto enviesado e incompreendido, eis que Lampião – o sertanejo, continua
ainda hoje(quem sabe) a pagar sozinho o alto preço de uma injustiça
institucionalizada que se fizera madrasta dos necessitados ao longo de todo
este tempo.
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(*) José Cícero ______
Professor, Pesquisador, Escritor
e Conselheiro do Cariri Cangaço.
Autor do livro
"LAMPIÃO em Aurora: Anters e Depois de Mossoró"(Inédito)
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