Todo santo dia com chuva ou com sol, impreterivelmente na hora exata em que o trem passava, ele estava lá
incontinenti sobre o morro do grande corte à margem da linha. Batia sua enxada
com sofreguidão e alegria. Um som fino, forte e estridente que se ouvia mesmo
no interior do vagão. Como um sentinela britânico a bater seu sino,
compassadamente, anunciando a passagem do comboio do trem. Ferro no ferro ele
batia todos os dias durante as idas e as vindas do chamado trem da feira do
Crato.
Um meninote de pequeno porte, tez sertaneja, magro,
pretos cabelo sobre a testa. Um ser contente beirando os 12 anos de idade que,
por anos a fio cumpria esta missão cotidiana(duas vezes por dia) de, na beira
do trilho numa elevação do terreno logo depois da estação de Ingazeiras decerto
na localidade do Morro Dourado o garoto anunciava batendo um ferro na enxada;
de que o trem estava a passar por ali.
Tudo aquilo era um acontecimento. Uma novidade que,
naquele rincão solitário se renovava duas vezes por dia.
Ficou tão popular a figura daquele pequeno menino
que os próprios funcionários da estrada de ferro decidiram presenteá-lo com uma
farda, um par de botas, um quepe oficial( tudo confeccionado sob medida
igualzinho o da empresa) bem como a instalação de um sino num pequeno poste. O
menino, desde então ganhou ares de oficial, tamanha era a forma quase marcial
com que ele batia o sino instalado sobre o morro movido pela energia da sua
imensa alegria.
Idas e vindas... Ás vezes com atraso, mas o menino
estava lá impávido e decidido a bater seu sino. Nunca falhou um só dia...
Logo ficou conhecido do litoral ao sertão
constituído pelo trajeto percorrido pelo trem da feira do Crato. Todos os
viajantes queriam vê-lo em suas intermináveis batidas anunciadoras. E não eram
poucos os passageiros que durante a passagem jogavam moedas e outros pequenos
presentes para aquele garoto dos rincões da Aurora. Enquanto o comboio não
desaparecia no horizonte dos seus olhos, ele não cessava de bater o sino. Era,
por assim dizer o mais autêntico mito do nosso Prometeu catingueiro. Ao ponto
de logo virar uma verdadeira marca. Uma atração entre tantas que havia para ser
ver por estas bandas dos sertões caririenses.
Era algo bastante emblemático a figura daquele
menino misterioso a bater seu sino em plena caatinga; justamente num lugarejo
inóspito, esquisito e improvável para uma cena quase teatral como aquela. Uma
cena das mais pitorescas que contribuiu para que aquele acontecimento diário
virasse uma verdadeira atração para os que viajavam no trem da Reffesa.
Todos queria ver o tal menino. O maquinista até
diminuía a velocidade da locomotiva para que todos pudessem melhor contemplar a
tal visão. Vez por outra, ele fazia até continências para os maquinistas e
acenava para os viajantes. Não era um adeus, apenas um até logo posto que havia
sempre um sorriso estampado no rosto daquele menino aurorense.
Dizem que o menino do sino nunca mais foi visto em
canto algum depois que o trem de passageiro foi desativado. O mundo acabou para
ele. A vida perdeu a graça sem a existência do trem que foi durante muito tempo
a razão de viver daquele garoto esquecido das bibocas sertanejas de Aurora.
A tristeza de vez banhou seu rosto. Seus olhos
encheram-se de saudades e de lembranças antigas.
Mas que fim levou aquele pequeno e inusitado
sineiro? Desapareceu, escafedeu-se o menino do sino do Morro Dourado da
Ingazeiras. Quem sabe foi embora do mundo na derradeira viagem do trem. Partira
de vez para os céus no mesmo trem que sempre alegrou com suas batidas. Ou
talvez apenas se encantou de todos nós, no Sonho Azul ou voou no Asa Branca que
tanto admirou, das vezes tantas que anunciou suas passagens em tantas idas e
tantas vindas.
Mas, também ainda hoje há quem diga que nas tardes
sonolentas e tristonhas, nas ave-marias ou mesmo de sol a pino quando a
caatinga do antigo local parece estar consumida em solidão ou em chamas; o
menino do sino sempre volta para cima do morro a tocar seu sino.
Talvez, como alguém que ainda acredita que o trem
há de voltar um dia. E que o passado não mais conta quando se espera no trem da
feira, apenas um instante de eternidade para a alegria de uma vida inteira.
...................
José CíceroAurora – CE
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