domingo, 19 de maio de 2019

O Novo madeiro que ainda pesa sobre o Nazareno*


Ainda hoje continua sofrendo no meio de nós - o Nazareno.
Contudo, ele se mantém calado, como dantes, profundamente resignado.
E a duras penas vai aos poucos subindo o íngreme monte
onde será novamente pelo sistema sacrificado
agora, pelos ditos homens modernos e sem pecados.
Porém, ele segue firme e determinado rumando o exício
com seus lentos passos.
Cumprindo à risca o que não estava escrito.
Penosamente a carregar sobre os ombros, o madeiro.
Ninguém a chorar sua dor nem os seus tormentos...
E nós, os racionais puritanos do mundo continuamos a chicotear 
sem piedade e sem motivo o Nazareno.
Porque no fundo, perante este sacrifício repetitivo e continuado
toda a humanidade se irmana em conluio, a imitar Pilatos
lavando as mãos no inocente sangue sagrado.
Rezando alto suas oblações, litanias, orações e mistérios,
mas nem de longe enxergando,
sequer um pingo da estupidez do pecado.
E desse modo esquisito, o peso do tal madeiro do bom Nazareno
há de recair, igualmente, sobre os ombros de nós mesmos.
Tudo o que nos sobra neste instante doído, além do remorso e do medo. 
É a indulgência que ainda reside nos discursos floridos e disfarçados,
daqueles que nos dizem ser, os verdadeiros representantes do velho Cristo.
Sempre quando nos promete, pelo menos,
para aplacar nossos sofrimentos,
um pouco do perdão alcantilado e já esquecido...
Além de um enorme pedaço do tal paraíso.
<> 
José Cícero
Imagem. Internet

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Histórias e Estórias que ouvi contar...

O TREM DA FEIRA DO CRATO E O MENINO SINEIRO DA INGAZEIRAS

Todo santo dia com chuva ou com sol, impreterivelmente na hora exata em que o trem passava, ele estava lá incontinenti sobre o morro do grande corte à margem da linha. Batia sua enxada com sofreguidão e alegria. Um som fino, forte e estridente que se ouvia mesmo no interior do vagão. Como um sentinela britânico a bater seu sino, compassadamente, anunciando a passagem do comboio do trem. Ferro no ferro ele batia todos os dias durante as idas e as vindas do chamado trem da feira do Crato.
Um meninote de pequeno porte, tez sertaneja, magro, pretos cabelo sobre a testa. Um ser contente beirando os 12 anos de idade que, por anos a fio cumpria esta missão cotidiana(duas vezes por dia) de, na beira do trilho numa elevação do terreno logo depois da estação de Ingazeiras decerto na localidade do Morro Dourado o garoto anunciava batendo um ferro na enxada; de que o trem estava a passar por ali. 
Tudo aquilo era um acontecimento. Uma novidade que, naquele rincão solitário se renovava duas vezes por dia.
Ficou tão popular a figura daquele pequeno menino que os próprios funcionários da estrada de ferro decidiram presenteá-lo com uma farda, um par de botas, um quepe oficial( tudo confeccionado sob medida igualzinho o da empresa) bem como a instalação de um sino num pequeno poste. O menino, desde então ganhou ares de oficial, tamanha era a forma quase marcial com que ele batia o sino instalado sobre o morro movido pela energia da sua imensa alegria. 
Idas e vindas... Ás vezes com atraso, mas o menino estava lá impávido e decidido a bater seu sino. Nunca falhou um só dia...
Logo ficou conhecido do litoral ao sertão constituído pelo trajeto percorrido pelo trem da feira do Crato. Todos os viajantes queriam vê-lo em suas intermináveis batidas anunciadoras. E não eram poucos os passageiros que durante a passagem jogavam moedas e outros pequenos presentes para aquele garoto dos rincões da Aurora. Enquanto o comboio não desaparecia no horizonte dos seus olhos, ele não cessava de bater o sino. Era, por assim dizer o mais autêntico mito do nosso Prometeu catingueiro. Ao ponto de logo virar uma verdadeira marca. Uma atração entre tantas que havia para ser ver por estas bandas dos sertões caririenses.
Era algo bastante emblemático a figura daquele menino misterioso a bater seu sino em plena caatinga; justamente num lugarejo inóspito, esquisito e improvável para uma cena quase teatral como aquela. Uma cena das mais pitorescas que contribuiu para que aquele acontecimento diário virasse uma verdadeira atração para os que viajavam no trem da Reffesa. 
Todos queria ver o tal menino. O maquinista até diminuía a velocidade da locomotiva para que todos pudessem melhor contemplar a tal visão. Vez por outra, ele fazia até continências para os maquinistas e acenava para os viajantes. Não era um adeus, apenas um até logo posto que havia sempre um sorriso estampado no rosto daquele menino aurorense.
Dizem que o menino do sino nunca mais foi visto em canto algum depois que o trem de passageiro foi desativado. O mundo acabou para ele. A vida perdeu a graça sem a existência do trem que foi durante muito tempo a razão de viver daquele garoto esquecido das bibocas sertanejas de Aurora.
A tristeza de vez banhou seu rosto. Seus olhos encheram-se de saudades e de lembranças antigas. 
Mas que fim levou aquele pequeno e inusitado sineiro? Desapareceu, escafedeu-se o menino do sino do Morro Dourado da Ingazeiras. Quem sabe foi embora do mundo na derradeira viagem do trem. Partira de vez para os céus no mesmo trem que sempre alegrou com suas batidas. Ou talvez apenas se encantou de todos nós, no Sonho Azul ou voou no Asa Branca que tanto admirou, das vezes tantas que anunciou suas passagens em tantas idas e tantas vindas.
Mas, também ainda hoje há quem diga que nas tardes sonolentas e tristonhas, nas ave-marias ou mesmo de sol a pino quando a caatinga do antigo local parece estar consumida em solidão ou em chamas; o menino do sino sempre volta para cima do morro a tocar seu sino. 
Talvez, como alguém que ainda acredita que o trem há de voltar um dia. E que o passado não mais conta quando se espera no trem da feira, apenas um instante de eternidade para a alegria de uma vida inteira.
...................
José Cícero
Aurora – CE
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sábado, 15 de setembro de 2018

A Natureza no Chão

Agora, invés de caatinga tem-se casas;
urbanização tacanha de tijolos, ferro, cimento e argamassa.
Quando não, pastagens de capim para as muitas vacas,
estradas de pedra,  asfalta e piçarra
para servir aos automóveis e as motocicletas.
E os antigos pés de Juá, Aroeira, Inharé e Jatobá
cederam à força seu lugar, às carvoeiras da terra.
Além do pé de Coité, de Baraúna, Cedro e Trapiá.
Timbaúba, Imburana, Ipê, Pau-ferro e Jacarandá
que perderam a sangrenta batalha pela vida,
sob a violência cavalar da motosserra.
E assim, onde um dia existiam mata e cana
há agora, estrada longa e um imensa capoeira
onde a fera desta destruição tirana
feriu de morte e de vergonha a natureza inteira.
Portanto, invés das antigas moitas de Mororó,
Melão de São Caetano, de Unha de Gato e Imburanas
agora existe plantações inteiras de banana.
- Monocultura contrária
à ordem natural das coisas e da natureza.
E esse tal de IBAMA, que tanto dorme quanto ronca
cedeu à cegueira infame de uma política feia e tonta
que aos ecossistemas e aos biomas
há muito declarou guerra.
Eis que a derrubada de todas as matas
secara os olhos d'água, os riachos, os brejos de frutas e cana.
A cachoeira do rio, além da "levada" das piabas
que descia lá da grande serra,
para alimentar de fertilidade, de fartura e de bonança
os baixios, o coqueiral, os engenhos, os pés de manga
dando de beber às cacimbas, gentes e bichos.
Esfriando os ventos sob as copas dos arvoredos
e limpando os terreiros e as águas das chuvas e do chão
que corriam no riachão
e sob o seio e o útero da mãe Terra.
....................
José Cícero
Aurora - CE.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A FESTA DE SANTO ANTONIO NO ANTIGO LUGAREJO*

Distrito de Missão Nova no final dos anos 70

Manhã de domingo. O padre subia vagarosamente o alto barranco da estrada de barro em seu jerico. Um pouco à frente seguia sem muita pressa o seu desajeitado sacristão; quase um Sancho Pança de um Quixote surreal e, tipicamente sertanejo. Ia ele montado em seu burrico ‘cardão’ que parecia muito mais cansado do que de fato, se encontrava.
Vinham da cidade pela antiga estrada do Morro e do coqueiro para à tradicional celebração do santo padroeiro que naquele ano coincidiu também com a feira  de domingo. Dois acontecimentos marcantes daquele solitário e bucólico vilarejo esquecido na solidão do mundo.
No burrico em que vinha o sacristão, dois caçuás de couro surrado(que pela cor penso que não era de boi como a maioria, mas de bode curtido)... De cada lado dividido, o peso, entre outras coisas, também além de presentes; cuidadosamente as alfaias, os objetos sacros a serem utilizados no culto divino pelo padre.
Missa de Santo Antonio – o padroeiro. O lugarejo estava em festa. O ar era de puro entusiasmo e alegria o que tornava aquele ambiente ainda mais encantador e aprazível. Tudo pronto e belamente organizado para receber o vigário e convidados. Mais bela e imponente ficava sempre a grande Casa paroquial com a chegada do padre. Gentes do povo e elite lá se misturavam em nome da divindade, como igualmente pelo profano e o sagrado afim de amenizar o azedume da vida uma vez a cada ano. 
Matos cortados nos beirais das cercas, capela pintada, altar enfeitado de flor pelas mãos carinhosas de Dona Zefinha(minha vó), Raimunda Alves, Margarida e minha tia Alaíde, além das fachadas das casas com uma aparência multicor sob o pincel do mestre Pedim. Tudo agora virou saudade e parcas lembranças porque todas estas estão a morar no céu... 
Estavam mais cheirosos e belos os jardins, notadamente o do casarão do Seu Osvaldo e Antonio Argeu. Até mesmo a beirada do ‘rio da rua’ estava roçada, assim como o cemitério, a vereda do canavial que dava para o ‘outro lado’ de Seu Joaca Rolim e dona Toinha - a mais caridosa senhora daqueles rincões. O  chafariz estava também pintado por Zé Maquinista. Apenas as moitas de mufumbo e de aveloz que ficavam pra bandas do brejo não foram decotadas. Lá, era onde se divertiam as ‘mulheres da vida’ que vinham da rua e os muitos homens daquela vila na noite de festa.
Toda a matutada bem vestida. Os coronéis dos engenhos com seus melhores trajes. Donzelas bonitas com laços de fitas coloridas nos cabelos. Batizados marcados e até casamentos eram esperados para a santa missa do domingo na capelinha que ficava à margem da estrada cercada de muitas árvores frondosas onde as pessoas descansavam da longa caminhada e também  amarravam os seus cavalos. No fundo da qual ficava o engenho e bem ao lado após a grande cerca de aveloz o bananal, os coqueirais, o riacho que corria o ano todo e o canavial.  Além da casa grande dos Esmeraldos e a estrada que ia para à serra e o engenho de seu Pedro da Cruz.
Muitos meninos correndo pelos terreiros. Engenhos em silêncio. Pifeiros e cambiteiros bebericando pelas barracas de palha de coco e pelos balcões dos vendeiros Damião Bento, Antonio Siqueira, Antonio Caneco, Ciço do Bar e Seu Otávio ambos situados no quadro do comércio, onde também se instalara o circo de Fuxico, o bozó e o Caipira, além da banca de bugigangas de seu Antonio da feira e o pequeno parque de diversão com suas balançantes canoas, o bingo,  o carrossel rodado à mão e o estúdio de som com suas cornetas tocando os sucessos daqueles anos.
De longe era possível se ouvir o som de sanfonas e zabumbeiro, além da banda cabaçal passeando ao redor da capela o dia inteiro. Era a única vez no ano que o delegado de polícia com três soldados se apresentavam para abrir a delegacia – um pequeno prédio quadrado dividido em dois apertados cubículos. 
Fogos de artifícios explodiam o dia todo no céu daquela vila perdida no oco do mundo até que chegasse a noite festiva iluminada por imensos lampiões de gás e grandes candeeiros. Momentos propícios para as paqueras e os namoricos.
Malgrado o barulho e o reboliço no oitão da delegacia, o doido Bento se mantinha alheio e distraído com seu olhar profundo mirado no firmamento do mundo e, de quando em vez contando as formigas que entravam e saiam o tempo todo do grande formigueiro que ali havia. Quem sabe, como a nos dizer  filosoficamente que, nada daquilo valeria sequer o trabalho reto e empedernido de cada formiga daquele formigueiro.
Foi assim. Mês de julho de um ano ido tão distante que até não mais me lembro dos números. O que sei de fato é que vivi também intensamente tudo aquilo, quando menino. Se não foi eu cegue da gota serena! Juro por Santo Antonio – nosso divino e casamenteiro padroeiro.
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José Cícero
Aurora - CE

terça-feira, 21 de novembro de 2017

DULCINÉIA e o pecado de não ser feliz


O pai a dizia sempre: - Menina é cedo!
Ela resmungava: Mas meu pai a vida me parece tão tarde...
E assim continuava a rolar as contas do rosários entre os seus dedos.
Tudo ali era lento. Os dias, a vida, o tempo, as noites e o sofrimento...
Até o dia exato em que ela desapareceu da vila a cavalo.
Ganhara o oco do mundo. Foi-se embora como sonhara sempre
sobre a lua da sela com o novo padre.
Dizem que logo após a santa missa da manhã de sábado.
Seguiram pelos caminhos íngremes e lamacentos da  ribeira. 
Há até que ainda hoje diga que o doido Oliveira
os viram pelados, como vieram ao mundo, a se banharem contentes 
nas águas pardas do riacho da castanheira.
- Sua bença minha mãe! 
Inté mais meu pai!
Rogo ao sando do alto
que mal não me queiram... 
Porque ser feliz na vida não constitui pecado.
E o pai continuou dizendo: Ainda é tarde!
Enquanto o sacristão responde:
Isso não é segredo.
Sempre fica tarde aos que decidem,
por preguiça ou medo
viver tudo na vida só pela metade.
_____
José Cícero
www.blogdaaurorajc.blogspot.com
ilustração: da Internet

sábado, 2 de setembro de 2017

TUDO ISSO E MAIS UM POUCO...*

Quando muito...
Um naco de couro de toicim de porco
sapecado nas brasas sobre as trempes de tijolo,
um cambiteiro contraparente do tal cozinheiro
quase estaporando diante do braseiro
de pau de marmeleiro e de canela de viado queimando.
Uma panela de barro de torresmo - o toicim torrado,
além de um cozido de baião de dois com queijo rançoso.
Outra ao lado, de arroz branco liguento, frio e insosso.
Uma reca de gatos miando como o diabo
junto com um bando zuadento de cachorros.
Um pote de água quente vazando no chão batido
sobre a forquilha de Ipê roxo.
E bem no alto recebendo a fumaça do fogo 
um cordão preto e já encardido 
com sebo de carneiro capado, costela de bode
e outras carnes de bicho do mato ali pendurado.
Um molho de pimenta bem ardido.
Um pão de milho feito na pãozeira de barro amarelo,
salgado, seco e encruado...
Uma dúzia de ovos de capote, metade goro,
encontrados num ninho abandonado 
dentro da touceira de unha de gato.
Um bocado de farinha d'água cheia de caroços.
Um penico. Um embornal, Uma cuia, um landuá,
um anzol e uma bacia de bater ovo.
Na cantareira,  uma caneca de dentes 
tal qual jacaré feita de flandre
pelo flandeiro morador da ribeira distante.
Uma cabaça enorme para carregar água do açude
como também lá da velha cacimba funda
entre os pés de manga, de maris e o canavial da vazante.
Uma catemba de coco lisa de tanto uso
para tomar pinga no alambique do mestre Pedro.
Um bêbado e uma puta velha tontos brigando
no pé do balcão do bar de Valentim
terminando na bodega de Seu Quinco.
Um cuspido. Um cigarro aceso de palha de milho.
Fumo brabo de rolo cortado entre os dedos
com um velho canivete suíço.
Depois uma prosa. Um causo contado pelo finado Chico.
Um gole de café torrado no caco cheiroso
e adoçado com rapadura raspada no canto da mesa de angico,
sob o gume amolado de um facão rabo de galo.
Uma boa conversa no alpendre. Um vento fresco.  
Um bezerro enjeitado. Um cochicho no ouvido, um fuxico...
Uma reza de pião roxo para curar coqueluche,
espinhela caída, mau olhado e panadiço.
Uma velha chamando nome e jogando praga no mundo.
Um jumento de lote viçando pela noite a dentro.
um gemido suspeito na moita fechada de mufumbo.
Uma mulher espoletada dizendo aos gritos:
- Tô no prego. Também queria isso. 
Mais antes fosse jerico este meu homi. 
Digo e não nego! Pelos seiscentos diabos... 
Não vale mais um cibazol este meu marido.
_________
José Cícero
Aurora - CE.
www.jcaurora.blogspot.com
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sábado, 1 de julho de 2017

OS INFELIZES



São sempre infelizes e sofrem muito, demasiadamente
todos os que, a duras penas escondem dentro de si
as brasas incandescentes e recolhidas das vontades.
E as brasas mais quentes da vida 
e, que nunca se apagam dentro da gente
serão sempre as brasas vivas dos desejos
e dos sentimentos mais sentidos
sufocando uma a uma, 
nossas melhores vontades.
As brasas, que sempre ardem 
e queimam na fogueira das vaidades
nossos sonhos maiores de aventura e de felicidade.
Brasas de um fogo ardente 
que, noite e dia nos consomem com a tal fome e voracidade 
transformando em cinzas as coisas boas desta vida:
Os momentos, as utopias, as espontaneidades de viver,  
além do sorriso, o prazer, a paixão enlouquecida e a liberdade 
sob os quentíssimos grilhões da penúria de espírito,
da tristeza e da passividade que destrói 
e mata para sempre a vontade de viver
bem como a alegria que se tem na alma.
___
Jc

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

TUDO O QUE EU VI...



Um escuro de botar dedo no olho.
Um molho ardido de malagueta e pimenta de macaco.
Um prato rebolado no terreiro na noite de relâmpago.
Uma candeia a iluminar a mesa do santo.
Uma cadeira de couro de boi encostada num canto.
Um fogo de trempe, um beato cantando um bendito,um penitente.
Um som de besouro, um tacho de zinco.
Um riacho seco, um calor dos seiscentos diabos.
Um mergulho, um nado no rio fundo, um formigueiro.
Um pote de barro, uma forquilha, um rádio de pilha.
Um fedor de sarro de cachimbo e de cigarro.
Um feixe de garrancho, um quadro antigo de Jesus Cristo.
Uma caieira de queimar tijolo, um forjo, um cupim, um bisaco.
Um touro tarado, uma fornalha de engenho,
Um menino danado,  um cego escroto, um violeiro enamorado.
Um trovão de estalo, um ovo cozido, 
guizado  de arroz, óleo de rízimo e pão dormido.
Um poeta encantado com seu verso alado.
Uma estopa, uma  esteira de palha, um raio de corisco,
uma chuva de janeiro, um assopro no olho pra tirar cisco.
Uma reza de mulher véia, uma novena ao santo padroeiro.
Uma bandeira, um carrocel, um jogo de azar, um pau de sebo.
Uma quermesse, uma prece, um zabumbeiro,
um tocador de pífano, um padre milagreiro, um bebo zuadento,
Uma briga de foice no meio da noite,
uma vaca amojada, uma gata molhada...
Um gemido de mulher no gozo, 
Um suspiro de morte, um tiro de garuncha e baladeira.
Uma bufa, um riso torto, um malasombro, um beijo roubado.
Um medo de alma penada e de Vicente Finim.
Uma cupira na ponta da estaca, uma saga de valente. 
Uma estória de trancoso, de Lampião e padim Ciço.
Um anjo querubim. Um pedaço doce de alfinim.
Um jagunço, um chapeado, um barbeiro, 
um alfaiate, um cangaceiro.
Um arrastado conhecido de pinico, um cheiro de mijo, um viado.
Uma cangaia de pau roliço...
Um voo de anum, de bem-te-vi e tico-tico.
Uma cerca de vara, um carro de boi, uma latada, 
uma  caixa de medir feijão,
Uma balança de peso, um Anão, 
um palhaço de Circo.
Um agouro, um berro de bezerro nascido,
Um gole de leite mugido, Uma tigela de torresmo e angu de milho.
Um pilão, uma renda de bico. Um fuso de algodão, 
um tear pra tecer tecido,
Um cabo de foice, um soldado raso, um martelo.
Uma caneca de garapa, um beiju, um doce quebra-queijo.
Uma rapa de juá pra lavar os dentes.
Um café quente, um rapé, um bicho de pé, um monte de piolho.
Um balde de tiborna para os porcos do chiqueiro e os bacurins...
Um landuá, um azol, uma loca de cari e corró baiano.
Um peixe frito  para tira-gosto.
Um taco de queijo, um naco de carne de preá, enfim
uma naigada de fumo de rolo, 
Um facão rabo galo, um pote de aluá.
Um rato canoeiro assado, uma catemba de coco.
Uma bicada de cana. Um cacho de banana
Um bando de quenga no frejo.
Uma cabaça d'água, uma canga...
Uma anágua, uma mulher da vida
Uma bela cigana, fogoza e entretida,
Uma gaiola de pendão de cana.
Uma arapuca, um chá de romã, uma prosa,
um dado feito de mucunã.
Um doido varrido, um cambiteiro, uma rapadura quente.
Um toco de amarrar jegue, um abestado chamado Zé.
Um moleque de recado, uma donzela espritada,
Um alcapão, um bica de água, um escaldado de leite,
uma manga doce, um imbu, uma oliveira.
um visgo de aveloz, uma galinha d'água, um cordoniz
um sonho atroz...
Um frasco de água benta, uma morena.
Uma loção de alfazema, um samba no pé da serra.
um tronco de unha de gato e de jurema.
Uma briba, uma rã, uma cobra preta.
Uma cumbuca, um emborná, uma careta, 
Uma macumba, um feitiço, uma praga.
Uma caipora, o pai da mata e mais uma  vara de virar tripa
Uma garrafa de conhaque, uma peneira.
Um gibão de vaqueiro, um balaio, um paiol,
um caboré choco.
Um pássaro noturno agourento.
Um arroto, um vento, um grito...
Uma alpargata de couro e de rabicho.
Um cheiro do mato. Um aroma de flor, uma brisa...
Um cachorro magro e  sardento.
Um barulho de quero-quero e de grilo.
Uma botija, um rato, um sapo cururu,
uma gia de cacimba e um caçote de buraco.
Um velho mijado e fedorento.
Um trovão de estalo.
Tudo isso e mais um pouco é tudo...
Nada mais que diga, eu vi
Porque todo o resto se eu disser é muito.
___
JC
Aurora-CE.
Ilustração da Internet.

quinta-feira, 24 de março de 2016

PENITÊNCIA*



Andanças noturnas por entre os matos
e pelos grotões medonhos do mundo.
Seres  enigmáticos dos sertões
sofríveis mas crentes
em tudo o que é  místico e sagrado.
Cântico profano e profundo
de todos os caminhos solidários.
Argonautas dos sertões dos esquecidos.
Oblações, litanias e outros  benditos fecundos...
Pássaros das noites insones:
- Penitentes, protagonizando o fenômeno..
Andarilhos da fé aplacando com  sangue
os pecados dos homens ante o divino,
perante os sofrimentos de Jesus Cristo.
Gentes, orações  e vaga-lumes. 
Seres incríveis, crentes e alados.
Rezando, como a singrar o infinito
pintando de branco os  escuros
pelas noites a dentro iluminados.
Duendes e anjos inconscientes
criados na lida da vida
a cada novo instante;
diante dos  olhos e pelas mãos milagrosas
da divindade maior do  onipotente.
________
Jc  Aurora – CE.

terça-feira, 23 de junho de 2015

QUANDO

QUANDO TE VI
NAQUELE DIA
- AMOR...
EU, BEN-TE-VI.
E TU, BEIJA-FLOR.

E NO DIA
EM QUE TU SE FORES.
NADA MAIS EU DIRIA.
-  DAS DORES.
EU, SAUDADE
E TU, DISSABORES.