domingo, 27 de fevereiro de 2011

PIERRÔ

Antigos Carnavais...*

Uma marchinha antiga,
charanga e orquestra
incendiando o salão
da festa momina.
Clube da ilusão.
Baile da fantasia:
João de Nila.
Maestros Gilvan e Esmerindo.
Gratas lembranças.
Entusiasmo de tanta gente.
Eternas crianças,
gratas esperanças
em suas utopias.
ABA e Cariri Clube.
– Pierrô.

Saudade, carnaval e purpurina.
Vesperais dos clubes
Máscaras à mão confeccionadas
antigas alegrias.
Festa de um povo
vestido em suas fantasias.
Bailes de confetes e serpentinas
inesquecível show
da bandinha da usina
chuvas de goma fina
de maizena e arrozina
antigas fantasias
ilusões que escondiam a dor.
Antigos carnavais da vida
- Pierrô.

Máscara nos rostos
a esconder tantas lágrimas.
Marchinhas, frevos e dobrados.
Velhos vesperais da bonança.
Chuvas de papéis picados
indeléveis danças
no clube da esquina.
Incomensuráveis saudades...
Canções antigas que lembramos.
Quarta-feira de cinzas.
Recordação, dores e saudades.
Músicas antigas do rádio de pilha.
Carnavais de outrora.
Ventos e frevos de reminiscências
- Pierrô.
...........................
>>>>>>>
Autor: José Cícero
Sec. de Cultura
Aurora-CE.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Àrvore da Vida...


Olhando para esta carnaúba
solitariamente esquecida e abandonada
na relva rasa da caatinga.
Foi como se também eu olhasse
para mim mesmo de um outro ângulo,
de um modo diferente.
E visse, finalmente, ali mesmo
à beira daquela estrada
todo o meu ser por dentro.
Fiquei triste
quando me vi profundamente.
Enchi-me de angústias e medo.
Eu chorei...
Quando olhei para esta carnaúba
Solitária e me me avistei.
Como alguém correndo risco
mas que resiste,
lutando pela sobrevivência.
Agarrando-se à vida
com unhas e dentes,
fundas raízes.
Olhei para esta carnaúba
e vi-me refletido por completo através dela.
Em silêncio, junto a seus pés
indaguei os céus:
- Onde foi parar todo o
resto daquela família?
Quantas carnaúbas já foram destruídas?
Quem, por acaso, plantou todas elas?
Quantas ainda existem nesta Terra?
Morreram para dá vida aos homens?
Foram vítimas de suicídio coletivo?
Serviram de abrigo.
Afugentaram o frio.
Transformaram-se em matéria-prima,
linhas de cumeeiras.
Telhados, fogo de brasa
Portas, paredes.
Cercados, Bancos de alpendre.
Morão de curral, pau de bandeira.
Tamburetes, tábuas de mesas.
Caixão de defunto...
E junto com o homem
seu próprio carrasco,
foi ela igualmente
para o seio da terra.
Esta carnaúba, meu Deus!
É como se fosse
a nossa própria vida
que ora sucumbe
e aos poucos,
de extinção.
também corre risco.
___
Autor: José Cícero
Secretário de Cultura
Aurora-CE.
.................
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FOTO: Feita por JC às margens da estrada(Rod.Pe.Cícero) em Caririaçu. 02/2011

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Imagética

A FORÇA DA IMAGEM

Alguém ainda tem dúvida de que uma imagem
consegue falar muito...
Muito mais que um bilhão de palavras soltas ao vento.
Alguém ainda dúvida de que as belas imagens
são sempre eternas?
De que todas elas têm a capacidade de nos tocar por dentro?
De mexer com o nosso íntimo.
De açular a nossa sensibilidade e pensamento?
E de aflorar os nossos sentimentos mais sentidos?
As imagens aprisionam nossos melhores instantes.
Toda boa imagem é forte e intuitiva.
Toda boa imagem carrega no seu bojo
uma cosmo visão do mundo.
Quem não consegue enxergar a beleza intrínseca
de uma bela imagem
estar literalmente um cego.
Um ser de pedra em potencial.
Alguém a carecer do sublime gesto da emoção.
Avesso a metalinguagem do supra físico.
Por fim, diria que, a exemplo da imagem
que agora vemos em epígrafe,
qualquer texto seria absolutamente inútil.
Posto que nos transmite muito
com seu gesto plástico.
Como se diante dela nenhuma palavra bastasse.
Ademais, toda leitura que se faz necessária
é a da sensibilidade.
Como pura visão do coração.
Uma bela imagem é um texto denso e substantivo.
Espraiado sob uma enciclopédia...
Um léxico na sua mais tácita amplidão do pensamento.
Uma bíblia holística a nos instigar por dentro.
Enfim, toda linguagem do universo.
Tal qual o Esperanto imagético
na perspectiva mais íntegra
De tudo o mais que podemos chamar
de belo, belo, belo...
Eterno colírio para nossos olhos.
E acalanto para nossos sentimentos.
_____
Por José Cícero
Secretário de Cultura de Aurora-CE.
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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

ENCANTA-ME

Encanta-me com teu jeito.
Olhar de quem deseja
Todo o universo.
E eu mergulho
no azul dos teus olhos.
Feito oceanos imensos
Em que navego
em bilhões de barcos
entre teus abrolhos,
Como um solitário
Pescador de sonhos.

Devora-me com teus beijos.
Olhos claros.
Repletos de horizontes
e outros segredos.
Caminhos em que me perco
pescando teus carinhos.
Carmim dos teus lábios
A espargir sorrisos
Como se fossem flores
multicoloridas
Brotando em teu rosto

em milhões de beijos.
________
José Cícero
In Fractais Imensos(2010)
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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Aurora: A arte circense e o Palhaço Fuxico

Por José CíceroAinda hoje, vez por outra se ouve falar com um imenso sentimento de saudade toda a beleza que era os circos mambembes do nosso interior. Dos seus espetáculos noturnos e das matinês de domingo. Dos títulos chamativos, alguns inusitados estampados nas suas fachadas de flandres, madeira e de zinco. Das suas tragédias e dos seus verdadeiros dramas humanos.
Histórias e estórias muitas delas protagonizadas e vividas arduamente com sangue, suor e lágrimas dos seus artistas e coadjuvantes. Heróis antigos que agora estão a encenar no seu colorido mais lúgubre e forte a chamada memória do esquecimento. Romances fabulosos, amores fantásticos e(até) crimes horrendos. Grandes fantasias que ainda hoje nos enches recordações, deslumbres imaginativos e outros sentimentos mais sublimes.
Há quem lembre dos circos ainda agora com lágrimas no rosto. Como inclusive, há quem nos fale destes acontecimentos com o mesmo encantamento e sensação de uma vida inteira passada em seus picadeiros.
Há quem o sinta com a mesma intensidade de quem o viveu o tempo todo como se fosse o próprio interior da sua casa. Ou ainda, como quem relata pormenores íntimos da sua própria família numa odisséia artística da vida desafiando a sorte e/ou a própria morte.
Enfim, todos aqueles que vivenciaram a vida circense como uma verdadeira profissão de fé, dedicando parte importante da sua juventude a esta causa quase impossível de alegrar e divertir populações inteiras do interior nordestino.
Há quem recorde com o peito carregado de emoção, velhas passagens vividas sob aquelas empanadas cheias de furos e desbotadas pelo anos de estrada. Ou menos nos de pano de roda, descrição de cenas inteiras dos seus teatros: Romeu e Julieta, Lampião e Maria Bonita, a louca do Jardim, Fogo e Brasa, dentre outras encenações mirabolantes...
De forma que o circo do passado de algum modo quase inexplicável, ainda continua vivo na memória afetiva de muitos. Uma pena que na prática esteja quase desaparecido. Algo difícil de ver agora pelo nosso interior. Uma arte que não consegue mais resistir por mais tempo ao fantasma da tecnologia e, que por isso mesmo, neste instante agoniza nos seus derradeiros estertores. Há, por assim dizer, um silêncio cúmplice dos grandes agentes culturais...
O circo está de fato morrendo no mais profundo e vergonhoso processo de extinção total. O verdadeiro circo, como tal conhecemos no passado agora faz parte da história. Como sendo mais uma vítima da modernidade, antes capitaneada pela popularização da TV e agora, por outras invenções tecnológicas, em especial pela chamada rede mundial de computadores(Leia-se Internet), que aliás conseguiu afetar até mesmo o cinema.
Porém, em se tratando de relembranças circenses do nosso interior é quase impossível não recordar os artistas genuinamente aurorenses que se pontificaram nesta área. Basta dizer que algumas famílias locais ou montaram seu próprio circo ou tiveram membros que atuarem por anos a fio fazendo deste meio uma profissão. Dentre as quais podemos destacar a família “Santô” e a dos irmãos: Enoque pintor e o famoso palhaço Fuxico.”
Com o seu pequeno circo o palhaço Fuxico ao lado do velho Enoque, seu irmão, que, inclusive atuava como mestre de cena, juntamente com todos os seus familiares rodaram o Nordeste de uma ponta a outra e parte da região Norte do país. De modo que as história e estória contadas(um dia a este articulista) pelo inesquecível Enoque(falecido em meados dos anos 80) dariam um bom livro.
Diria que quanto ao palhaço Fuxico, este também compõe uma história à parte quando o assunto é circo, vez que foi o pioneiro. Ficando conhecido por toda região, não somente por suas interessantes atuações no picadeiro, assim como por suas proezas a frente do seu circo e de toda sua grei de artistas. Como se cumprissem os caprichos do destino os decanos desta família circense nasceram e viveram praticamente, como se diz, sob a lona.
O velho circo do Fuxico sobreviveu até o início dos anos 80 quando o eterno palhaço foi covardemente assassinado no seu próprio palco por um soldado embriagado e á paisana no município pernambucano de Sítio do Moreiras. Foi um crime impune como tantos outros...
Dos três irmãos que integravam o cerne do velho circo fuxiquense, apenas a dançarina e violonista ‘Lurdes Bom-conselho’ ainda vive. Depois de vagar sem rumo pelo mundo como alóolatra esquecida da cabeça, encontra-se recolhida hoje num abrigo para idosos na cidade de Milagres, aos 89 anos. Logo após ter sido um dia encontrada quase morta desmaiada nas ruas da cidade milagrense. (Ver reportagem completa na Revista Aurora em sua edição de 2009).
______________
José Cícero
Secretário de Cultura
Aurora-CE.
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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Tempo*

Tempo,
tempo,
tempo.
Demoníaco relógio
dos acontecimentos.
Monstro famélico
vagando ensandecido
pelas nossas costas.
Dragão dos infernos.
Bicho selvagem
endiabrado,
dia e noite
nos perseguindo
e a nos consumir,
tanto por fora
quanto por dentro.
Tempo,
tempo,
tempo.
Química ferrugem
de tudo que existe.
Potassa dos anos
a corroer como vermes
toda a jovialidade
do nosso semblante.
Tempo,
tempo,
tempo.
Eterno fantasma
que mantemos
intacto.
Escondido em casa
como um cálice bento.
Tempo.
Como de resto:
- Agiota maldito,
manietando a vida.
Quasímodo sanguinolento
e inexorável.
Roubando-nos tudo,
a todo instante.
assim como;
a força e a elegância
da nossa juventude.
Tempo,
tempo,
tempo.
Desafio estrambótico.

Lâmina afiada da desesperança.

Fio da navalha
que nos corta a carne.
Nada que nos engane.
Ou qualquer coisa a mais
Que acaso o valha.
___________

Autor: José Cícero
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Quando um dia eu Morri...

Morri ao nascer do dia...
Nunca o sol pareceu-me tão sem graça como naquele instante derradeiro.
Fim da madrugada. Um novo domingo para um passageiro que partia.
Ninguém ao meu lado para testemunhar o meu último suspiro.
Nenhuma lágrima. Apenas a solidão como um refrigério a acalentar meus ânimos.
Morri sozinho. Como sozinhos todos chegam e partes indefinidamente...
Ninguém que pudesse compartilhar comigo o vinho amargo da minha despedida.
Morri como vivi. Consciente e pleno de mim mesmo.
Assaz convencido de que na transformação do mundo
não havia mais nenhum lugar que coubesse a grandeza
do meu ser excêntrico, irrequieto e revoltado
contra todo o império da mentira, da corrupção e do cinismo.
O planeta agora pertence aos bandidos e aos mecenários sem escrúpulos.
Deste então vejo ainda mais explícito a atmosfera negra do absurdo
que se abatera por sobre a vida.
Solitário como sempre... Assisti-me em meus primeiros socorros.
Vi-me por dentro como quem consegue abraçar seu ego.
Um quadro surreal e inusitado
para os padrões com os quais eu estava acostumado.
Milhões dos meus erros e momentos inesquecíveis passaram céleres
como em vídeo-tape por minha cabeça.
Observei meu cadáver de uma perspectiva nunca antes possível.
Como se ali, deitado no meio da sala, estivesse outro e não eu.
Não mais senti o frio daquela madrugada invernosa.
Lá fora vi a lua sobre a abóbada celeste em seu colorido estranho
tal qual uma donzela mestruada do sol.
Um longo silêncio parecia se instalar sobre meus gestos.
Mas eu não estava triste.
E eu sorria de um jeito diferente.
De um modo estranho nunca antes experimentado.
Meu Deus, como é bizarro sorrir da própria morte
e de si mesmo nestes momentos máximos.
Morri como sempre morre os que carregam pela vida inteira
uma verdade incontestável trancada a sete chaves entre os seus dedos.
Não entendi por que alguns se aventuram ainda a chorar por mim...
A vida é isso: Idas e vindas. Mecânica sempre pródiga das coisas fugidias.
Uma sucessão numérica e interminável de partidas
algumas abruptas, outras nem tanto...
Morri feliz.
Cumprir minha parte neste plano de expiação.
Travei o bom combate.
Semeie as sementes que uma vez por algum motivo
alguém num passado remoto confiara a mim.
Vivi do meu jeito. Morri como sempre imaginei...
Eis a porção do mistério que acaso me tocava.
Morri ao nascer do dia. Um domingo.
Flores se abriam nos jardim daquela cidadezinha em que eu morava.
E eu, de certo forma, achei esplêndido tudo aquilo.
E a partir deste instante fechei a porta que dava para o mundo.
Tranqüilamente, como quem esperava a namorada numa noite feérica de desejo.
Deitei-me no meu leito eterno e dormir profundamente o sono dos justos.
E assim, sonhei outros sonhos. Talvez como quem espera recuperar sua antiga juventude perdida em meio as estrelas. Brincado alegremente como crianças nos velhos tempos.
Dispersas fantasticamente na dimensão da eternidade.
_______________
Autor: José Cícero
Aurora-CE.
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Saudades e outras Memórias gastronômicas
Minhas saudades, além de afetivas também são gastronômicas e visuais.
De tal maneira que as sinto agora como se fosse ontem
Em meio a todas as minhas reminiscências gostosas e atemporais.
Tenho na língua e no céu da boca a sensação inusitada de todos os seus gostos.
Manga verde azeda que saboreie quando criança a me banhar no rio.
Manga jasmim, rosa e espada - doce inigualável que nunca me esqueci do sítio Tunga.
As minhas saudades tem gosto e cheiro das comidas caseiras da terra em que nasci.
Galinha a cabidela, Capote, café torrado no caco, bolo de puba, torresmo e milho assado.
Aroma inesquecível dos banhos de chuvas no meio das ruas e nos terreiros.
Piaba assada na brasa. Cheiro de terra, estrume de gado, flor de marmeleiro,
queijo fresco e doce de leite. Garapa de cana, alfenim.
Mel e tiborna dos antigos engenhos de rapadura que freqüentei.
Minhas saudades tem sabor de guloseimas e frutas frescas:
Banana d’água, babona, pimenta malagueta, azeite de rísimo, de mamona e de pequi.
Mas às vezes minhas lembranças também são amargas como se fosse fel de traíra
a se espalhar por minha vida.
Sumo medicinal de Bobosa, quina-quina e banha de porco rançosa.
Outras vezes também são açúcar: néctar de flor do brejo, mel de abelha, Jandaíra e sucupira.
Limão azedo da terra, mari dura de cozinhar das levadas,
coco-verde, imbu-cajá, feijão andu e cajui.
Minhas saudades são todas as gostosuras caseiras que um dia comi.
Paçoca, chouriço, qualhada, lambu assada, farrofa de pão de milho,
doce de Gergelim e buriti.
Quase sempre agora as minhas saudades me enchem de fome.
Por isso viajo por dentreo do tempo
buscando os sabores das coisas gostosas que não esqueci.
Feijão com pequi e mal-assada, água dormida do pote na Cantareira,
chapéu de couro, broa, pão-de-ló, angu de milho, mingau de carimã.
Manteiga da terra, macaxeira, batata-doce, cocada, carne seca,
tripa de porco torrada, cheiro gostoso de oiti.
Mas, minhas saudades nem sempre são doces como a mangusta, o poncho, o aluá,
e a cajuína do Cariri a se derramar agora em minhas mágoas.
Tampouco os refrigerantes grapette e crush que quando menino eu bebi.
Minhas saudades são saborosas...
Contudo, de vez em quando, as minhas lembranças
têm o mesmo gosto insosso quando dizemos que a “comida é d’água”.
______
Autor: José Cícero
Sec. de Cultura
Aurora-CE.
In Estórias que Ouvi Contar(2011)
Fotos: Da Internet
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domingo, 13 de fevereiro de 2011

(((((((Estórias e Histórias que ouvi contar)))))))

A Burra Desgarrada de Lampião*

Além de um bom prosador à moda antiga dos sertões do Cariri, o Sr. Zamora Taveres do Tipi de Aurora tem muitas estórias e histórias pra contar. Todas elas guardadas no fundo da memória. Fresquinhas como se tivessem ocorrido ontem. Talvez uma herança atávica dos seus ancestrais – os Tavares das ribeiras aurorenses. Antigos desbravadores e proprietários de terras naquele fértil e aprazível riacho.
Como é possível perceber, boa parte das narrativas de Zamora foram lhe contadas pelo próprio pai Miguel Tavares recentemente falecido. Famoso vaqueiro-agricultor, proprietário e criador de gado na região do Tipi. Uma figura bastante conhecida, cuja oralidade era, por assim dizer, um rico e imenso palimpsesto recheado de fatos, exemplos, contos e causos dos mais antigos. Na sua grande maioria acontecimentos idos das quebradas dos sertões do Ceará a Paraíba.
Uma dessas narrativas me fora contada recentemente, ocasião em que eu pesquisava a passagem de Lampião por Aurora. Tal história nos remete inapelavelmente, às primeiras investidas do rei do cangaço ao lado de Massilon Leite, sob os auspícios do coronel Izaías Arruda e seus jagunços na região fronteiriça de Aurora e o estado paraibano.
Provavelmente na mesma época em que se deram as primeiras incursões dos temíveis cangaceiros de Virgolino aos municípios de Cajazeiras, Canto do feijão(atual Santa Helena), Belém do Rio do Peixe(Uiraúna), Apodi, dentre outros.
Como protagonista, a figura de um simples agricultor que conseguiu ficar “podre de rico”, como se diz por estas bandas, ‘da noite para o dia’. Tanto que, mesmo após 84 anos do ocorrido, aqui acolá ainda se ouve falar sobre este interessante episódio.
Seu nome: Antonio Dias das Braúnas, cuja propriedade localiza-se entre os limites de Aurora(Tipi) com a Paraíba(Cachoeira dos Índios). Um nome que ainda figura entre os mais ricos e afamados proprietários de terras e gado de toda esta região naquele tempo.
Vamos aos fatos:
Na segunda metade dos anos 20, auge do cangaceirismo nordestino o Sr. Antonio Dias(das Braúnas) era praticamente um desconhecido. Levava sua vidazinha simples de agregado-agricultor trabalhando pesado no eito de sol a sol, para conseguir tirar da terra o sagrado pão, para o sustento da sua prole. Num tempo em que o sertão estava infestado de cangaceiros e jagunços, não apenas do famoso bando de Lampião, como também dos conhecidos subgrupos sustentados pelos potentados coronéis de engenhos.
Certa noite, quando já se preparava para o recolhimento, o Sr. Antonio Dias ouviu um barulho junto a porteira que dava para o curral ao lado da casa. Noite bela e enluarada, conseguiu avistar de onde estava, por cima da porta, um animal estranho. Resolveu se aproximar para ver de perto do que se tratava. Era uma burra cardan, completamente arriada como se diz no sertão. Sob a sela, corona e embornais avolumados deixavam transparecer que continha no seu interior alguma mercadoria fina. Completamente cheios. Sinal de que traziam algo, mas que ele, até então não havia se certificado do que realmente era.
Homem experiente de boa visão noturna esquadrinhou de relance todo o ambiente. Nem um sinal de uma alma viva, com exceção dele próprio e o animal que parecia assustado. Agarrou o muare pelas rédeas e após alguns passos, amarrou-o numa outra estaca da velha cerca, desta feita, pela parte interna do cercado. Afrouxou a sia da sela tirando em seguida a corona e os alforjes. Estavam pesados. Arriou o animal ali mesmo. Num caco de barro improvisado, ainda com água, colocou bem ao lado da burra. Comida mesmo, ele só daria no outro dia no baixio. até que o dono aparecesse. Deixou-a ali presa a estaca pelo cabresto.
Agora, sobre os seus braços as coronas e os embornais à lua da sela... Rumou para casa com celeridade. Sob a luz esmaecida do grande candeeiro já no centro da sala pôs os arreios no chão. Estava curioso para saber o que havia de fato dentro dos compartimentos de couro. Com extremo cuidado, movido pela crescente expectativa aproximou ainda mais a candeia dos alforjes. Tivera um susto com o que realmente seus olhos enxergaram. Num impulso quase incontrolável quis sentir aquele conteúdo com as próprias mãos. Como quem não acreditasse nos seus olhos. Um frio estranho percorreu todo o seu corpo. As suas mãos acostumasa a segurar até serpentes. Agora tremiam diante do que seus olhos lobrigavam. Um tanto esbaforido pela emoção, sentiu por fim, o peso daquela coisa por entre seus dedos cheios de calos.
- Dinheiro! Meu Deus quanto dinheiro...
Ele sussurrou baixinho como quem falasse para dentro de si mesmo. Depois daquele momento, tudo era só solidão e silêncio.
Uma áurea de mistério empalideceu seu rosto de repente. Os outros da casa encontravam-se recolhindos. Dormiam profundamente...
Cédulas, moedas e jóias. Grossos cordões de prata e ouro. Assustado, por um momento ficou ali mesmo prostrado perdido em pensamentos. Sentado sozinho sobre a rés do chão da imensa sala fintava sob a luz mórbida da lamparina de azeite aquela fortuna.
Uma vez mais, meteu a mão agora com força no meio das moedas. Sentiu-as com o tato dos dedos mais do que com os olhos, constatando que de fato, eram muitas...
- Uma fortuna! - Exclamou ele exaltado dentro de si mesmo.
– Diacho, quem será seu dono! – disse. Ningém lhe respondera. Pleno silêncio...
Pegou tudo aquilo, inclusive os arreios em seu conjunto, subiu, com a ajuda de uma escada e guardou no fundo do sótão.
Passou o resto da noite em claro. Pensativo, tentou ventilar um milhão de possibilidades para aquele fato. Mas nada de objetivo. Nada se sustentava ante seus esforços imaginativos de sertanejo desconfiado. Teve que de novo, agora pela janela, de verificar se a 'burrinha da felcidade' estava lá como deixou. No pátio ao lado da cerca.
Por algum momento, imaginou que tudo aquilo não passara de um sonho. Mas não. Não estava louco nem sonhando.
Um vez que, calma, ao contrário dele, a burra da fortuna permanecia lá onde deixou. Quem sabe na certeza que teria finalmente encontrado seu verdadeiro dono.
– Um milagre!... Ele falou quase num suspiro aliviado.
Aquela madrugada passou voando. Passaram-se dias. Passaram-se anos. Décadas e décadas passaram com celeridade, igualmente as aves de arribação da caatinga naquele ano.
Espero. E nada. Nunca ninguém apareceu para reclamar aquela fortuna.
A burrinha nunca mais viajou nem trabalhou. Desde então, passou a viver garbosamente pastando longe dos olhos de todo mundo. Dizem que era um animal formoso.
Seu novo dono comprara fazendas, gado, bons cavalos. E de vez terminou ficando rico e afamado...
Ninguém jamais soube ao certo como esta história veio a tona e se tornou conhecida.
Sem muita explicação dizem até hoje que o animal havia se desgarrado do bando de lampião num possível confronto com as volantes paraibanas. E uma vez perdida pelas matas do sertão adentro, a burrinha, terminou parando nas Braúnas. Na residência do famoso e sortudo Antonio Dias.
Coisas que escrevo porque ouvi falar...
_____________
Por José Cícero
In História que ouvi contar/11
foto: da Internet
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Sementeira de luz*

Se na vida até agora
nada fizeste ainda de interessante.
Aproveitas a chance
que ganhastes,
do excelso mundo dos espíritos.
Posto que tua passagem é breve.
Plante árvores pelos menos.
Pelos campos que tu habitas.
E onde quer que andes.
Reponhas com teu gesto ecológico
um pouco daquilo que consumiste
e que graciosamente,
a natureza te deste de presente.
Sejas humilde e consciente
diante do milagre da vida.
Plante conhecimento, alegria e arte.
Espalhe sementes.
Polinizes a terra em que tu vives
seguindo o exemplo dos animais,
besouros e pássaros.
Até que o planeta, novamente,
possa se cobrir de verde.
Conservas a Terra como a encontrara.
Pois ela é a única morada
que tu tens por enquanto.
Nada é impossível para quem trabalha.
Faças a tua parte sem vacilo...
Semeias bons exemplos
pelo chão que tu pisas.
Plantemos, além de árvores,
Tolerância, amor e caridade.
Faças das tuas mãos sementeiras
Para uma nova vida.
Da tua mente candeias para o bem.
E do teu coração guarida
para os que precisam.
Da tua inteligência
amparo e refrigério
para os que têm sede e fome
de fraternidade
e de justiça.
Para tudo isso
é que tu tens saúde
e livre-arbítrio.
____
Autor: José Cícero
In Fractais Imensos(2010)
____________________
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sábado, 12 de fevereiro de 2011

Um Banho Salgadiano*

...E o Salgado me banhou por dentro.
Quando de repente

o avistei em minha frente
pela primeira vez

cruzando o meu caminho.
Por conta deste encontro
nunca mais fui o mesmo.
Fiquei deslumbrado
e me fiz seu amigo
quando mergulhei seu leito.
Deste então não consigo
ficar longe dele.
Sou agora um peixe
da sua fauna aquática
a todo momento
a reclamar dos homens
um pouco de respeito
E de oxigênio.
Sinto-o em meu íntimo
como um bicho bruto
também agonizando
sobre os riachos secos
em abandono,
e a poluição

do seu corpo líquido.
O rio Salgado continua,
permanentemente
a me banhar por dentro
como antigamente.
___
Por: José Cícero
In Frantais Imensos(Inédito-2011)
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Por José Cícero O Último Salto
Um salto.
Mais um e mais outros...
O equilibrista do velho circo
Sem nenhum medo.
Aventurou-se mais uma vez no alto.
Um salto.
Como pássaro a voar no céu.
Cordas carcomidas
Pareciam não mais agüentar
seu corpo.
Disseram que estava bêbado,
o equilibrista.
Um salto.
O último da sua vida.
Embaixo o suspiro do povaréu
Incomodamente sentado
Nas tábuas frágeis dos poleiros.
Depois deste pulo
O acrobata do velho circo
Estatalou-se no chão batido
no pátio da antiga estação.
E quando em meio aos gritos da multidão
Ouviu-se o último gemido do artista.
Quebrara a bacia e o pescoço.
No salto derradeiro que dera
O equilibrista
do velho circo da Aurora
Caíra direto
Nos braços de Deus.

___
JC - In Versos Dispersos/2011

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Por José Cícero À BEIRA MAR

Ah... Quanto mar!
Amar - Verbo incisivo
E profundo.
Quase sempre a afogar
Em seus abismos
A alma da gente
e de todo mundo.
Oh... Mar
Quantos amores
esquecidos.
Quantos sonhos
A se derramar
Em teus superlativos
inexatos.
O mar!...
Líquidos caminhos
se estendendo
como tsunamis terríveis
afogando em mágoas
as paixões
que ainda temos.
Mares imensos...
Marés de desejos múltiplos
Riscando com unhas e dentes
Todos os limites do absurdo.
Quanto mar.
Oceanos infinitos.
Mares profundos
Banhando em sal
Todos os sentimento
que ainda acreditamos
realizar.
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José Cícero
In Abstrações do Acaso
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Foto: da Internet
À Luz de Vela

Em noites claras
Tu me alumias
Com tua luz
Dos olhos.
E me revelas
Segredos
Infindos.
Tochas de fogo.
Em confidências
Entre milhões de gestos.
Queimando-me
Com teus beijos
Por dentro.
Luz de vela
Que por minha conta
E risco
Eu me entrego.
Candeia
e farol marítimo.
Luz que me guia
Mar revolto
Entre meus dedos
Alucinados
Luz dos teus olhos
Vela que fujo
E que sempre volto
E me entrego todo.
Caravelas
Em que viajo
Vela que me alumia
E queima
Os meus pecados.

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Por José Cícero
In Minhas Metáforas Cotidianas/11
Foto: Internet
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HISTÓRIAS E ESTÓRIAS QUE OUVI FALAR...
Por José Cícero___

Manoel Correia do Tipi:
Um matuto de visão, rico e pioneiro

Num tempo em que transmissão radiofônica e energia elétrica não passavam de estória de trancoso ele já possuía seu rádio, o pioneiro de Aurora e uns dos primeiros do Cariri. Ouvia a rádio nacional e a estréia da Voz do Brasil, bem como do noticiário da BBC de Londres para os países de língua portuguesa. Todavia, para alimentar seu aparelho e iluminar a sua residência teve que adquirir um pequeno gerador movido a querosene.
Quando nos sertões quase ninguém sabia de fato o que era um automóvel ele já possuía o seu – Um Ford encapotado ano 1921. Uma maravilha da tecnologia para os padrões da época. E como não havia estrada para seu veículo teve que abri-la por conta própria. Numa picada dentro da mata de quase 6 km. Uma estrada ligando sua fazenda até a principal, isto é, a rodovia carroçável, hoje denominada de BR-116 próxima a fronteira com a Paraíba.
Era um homem ousado, quase sem nenhuma instrução, mas de uma visão bastante aguçada para um tempo em que, muitas vezes, qualquer inovação científica e tecnológica era tida como obra do ‘demo’.
Seu nome: Manoel Correia do Tipi. Um homem de ‘recurso’ como ainda hoje o dizem por estas bandas. Proprietário de muitas terras e um sem-número de cabeças de gado. Dono de engenho, produtor de algodão e criador dos melhores cavalos de campo de toda região, cuja fama conseguiu chegar longe. Muito além das reais fronteiras de Aurora e do Cariri. Foi ele, na expressão mais lídima do termo, "um homem de recursos e muitas posses".
Quarteirões inteiros de casas e prédios comerciais em Cajazeiras - PB pertenciam a Manoel Correia da Aurora. Muitos deles em espaços nobres, como o que agora pertence ao renomado empresário José Cavalcanti Primo. Sua propriedade do Tipi totalizava 500 braças de largura com uma légua e meia de fundo. Quase tudo ao seu redor era sinônimo de riqueza e de fartura.
Era quase impossível saber-se a quantidade exata de gado que ele possuía. Conta-se inclusive, que um certo vaqueiro saindo de Aurora para buscar animais perdidos pela caatinga, tenha avistado gado com a marca(ferro) de Manoel Correia até atingir os limites da serra da Várzea Grande além dos limites aurorenses.
Naqueles anos praticamente não havia cercas entre as propriedades. Tudo naquele tempo era como se fosse uma “manga só”.
Tinha também suas manias. Foi um apostador contumaz do jogo do bicho. Recebendo por conta disso em Cajazeiras, a alcunha de “Mané Piru”. Também pelo fato de ter “quebrado” por três vezes o cambista, ou seja, o dono do jogo na cidade paraibana, sempre apostando por anos a fio no piru.
Possuía 25 cavalos de campo, puro-sangue escolhidos, que ele tratava como verdadeiras relíquias. Todos chamados carinhosamente pelo nome: Relâmpago, Planeta, Facão sem cabo, Ventania, Juriti, Xexéu, Luzitão, Piaba, Marinheiro, Lampião, dentre outros.
O cavalo Relâmpago, por exemplo, montado por um empregado de confiança: Mané Pedro das Braúnas, todo final de tarde tirava num só galope em uma hora e meia do Tipi à Cajazeiras. Ocasião em que eram feitas suas apostas diárias no jogo do bicho, que, aliás, se encerravam às 18 h. Contam que, mesmo saindo nunca antes das quatro horas da tarde, Manoel Correia nunca ficou sem fazer uma aposta.
A grandiosidade da sua produção agrícola também o fez famoso por todos os quadrantes do Ceará e da Paraíba. Quer seja na plantação de milho, cana de açúcar, algodão e feijão como na produção de rapadura, queijo, leite e no criatório de gado bovino.
Certa feita, num dos seus passeios matinais o seu automóvel faltou freio e mergulhara dentro do açude. Sendo preciso o auxilio providencial da junta de bois que foi deslocada do engenho para tirá-lo do manancial.
Mineiro, Ramalhete, Bandeirante, Moreno e Luzitão eram alguns dos nomes dos seus famosos bois de força que trabalhavam no bangüê.
Um fato curioso está relacionado a tais bois e diz o seguinte: de tão acostumados com a lida diária, a primeira junta de bois(quatro animais) que pegava no eito do engenho às 2h da manhã, quando os primeiro raios de sol começavam a surgir no horizonte por volta das 5 h, eles paravam abruptamente. Sem nenhuma explicação. Não trabalhavam mais um só minuto. Ficavam como que acuados por algum motivo. Esperando que lhes tirassem a canga do pescoço. Não se sabe ainda hoje ao certo como aqueles animais do Tipi conseguiam precisar com tamanha exatidão o horário final da sua labuta. Pois até mesmo em tempos de chuva, eles não erravam nunca...
No cavalo mais formoso e mais baixeiro que já se viu passar pelas terras aurorenses, apelidado de Relâmpago, o velho Manoel Correia ia todos os domingos de manhazinhas assistir na cidade a missa na matriz de Aurora oficiada pelo vigário, padre Vicente Augusto Bezerra.
Mais uma história que escrevo, porque ouvir falar...
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(*) José Cícero
Secretário de Cultura
de Aurora-CE.
In Histórias que ouvi contar(Inédito-2011)
Foto ilustrativa - Sr. Dorgival Neto de Manuel Correia
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