terça-feira, 21 de abril de 2015

UM DEDO A MAIS DE PROSA SOBRE LAMPIÃO*


Muito já se sabe sobre a história de Lampião em seus quase 20 anos de intensas estripulias pelos sertões de sete estados nordestinos. Porém, ao contrário daquilo que muitos ainda imaginam, inclusive bons pesquisadores e outros “escribas livrescos”,  há muito ainda a ser desvendado e escrito acerca da saga lampiônica pelos grotões sertanejos.
Informações fundamentais para que se consiga de uma vez por todas, compreender tal história e assim, fechar-se o imenso círculo narrativo de toda esta complexa empreitada de quatro décadas chamada Cangaço.
De longe o mais importante fenômeno social já ocorrido nos sertões nordestinos e que teve na figura humana e singular de Virgulino Ferreira da Silva – o Lampião, o seu principal protagonista. Conquanto, quer seja como herói ou como bandido, o certo é que Lampião representa até os dias atuais um autêntico divisor de águas no que concerne à história sertaneja. Posto que, depois dele o sertão nunca mais seria o mesmo.  
Neste dualismo existencial, quer seja para o bem ou para o mal, os feitos produzidos pelo vilabelense rei do cangaço entraram para à história como algo imorredouro,  fornecendo ainda hoje  combustíveis inesgotáveis para grandes debates e discussões acaloradas. Algo tão comum quando se trata de grandes personagens da história humana na sua dimensão universal.  
O cangaço, portanto, com sua escalada de feitos e violências, a partir de Lampião ocupou de vez grandes espaços na agenda sociopolítica do litoral, chamando assim as atenções da opinião pública não somente de dentro do Brasil. Fazendo com que a sociedade da época começasse a dá-se conta da péssima situação de miséria, violência, injustiça, e abandono em que se encontrava submetida populações inteiras dos sertões do Nordeste por anos intermináveis de sofrimento e abandono. Só a partir de então, diria que efetivamente o sertão dos esquecidos passou a fazer parte do país dos poderosos. Porém a história dos oprimidos continuaria a ser escrita/descrita sob a pena dos vencedores.
O autor prof. José Cícero
O fato é que, Lampião, a um só tempo, foi vítima e também responsável por parte importante deste verdadeiro estado de barbárie quase absoluta que se abatera sobre os rincões inóspitos e abandonados do interior do Nordeste pelos poderes da capital. Razão porque(hoje mais do que nunca) é preciso analisar de modo objetivo e distanciado de quaisquer ranços de ódio ou de paixões, as muitas faces e roupagens com que se vestiu o espectro  do cangaço em sua dimensão mais  realista e mais cruel. Assim como todas as motivações que se impuseram sobre os povos dos sertões forçando muitas vezes a ingressarem na vida cangaceira, seja por vingança ou mesmo por pura necessidade de sobrevivência.  
Muitos dos quais como jagunços à serviços dos coronéis seus patrões. Depois, como integrantes de grupos e subgrupos de temíveis cangaceiros que durante aqueles anos infestaram a região de uma ponta a outra. No mais das vezes indivíduos perigosos e sanguinolentos acostumados ao sofrimento de um mundo sem lei para os quais a única lei que realmente valia era a “lei do cão”, cujo roubo, a vingança, a morte e o uso da força  eram  no senso comum de sua maioria a expressão mais forte e mais sentida.
Neste aspecto, é possível muito bem se afirmar que a dinâmica do coronelismo da época que grassava pelos sertões muito pouco se diferençava do cangaço em seu modus operandi corporificado por sua sanha absurda de criminalidade, opressão, pilhagem e injustiça de toda sorte. De modo que, em ambos os casos, foram sempre os sertanejos mais pobres, suas vítimas em potencial. E neste contexto em que se precipitaram todos aqueles acontecimentos dantescos, Lampião e sua gente, seriam apenas mais um, que por vingança, sobrevivência ou manutenção da honra acharam-se no ‘direito’ de tentar fazer justiça pelas próprias mãos.
Como se percebe, mais uma evidência de que quando o Estado não se impõe aos homens por um dever de justiça, os homens se voltam contra o Estado como que pela justiça do dever. E assim, ambos se fazem criminosos, tanto pela indiferença quanto pela omissão de todos em relação ao bem comum. E nesta correlação de forças, o povo do sertão foi o grande derrotado.
Por conseguinte, com ou sem a marcante presença de Lampião(um homem que se fez valente para não sucumbi), os sertões nordestinos nunca foram o tal ‘céu de brigadeiro’ como se fingia crer a maioria perante a manutenção do status quo dos poderosos em sua aparente tranquilidade bizantina.  Assim, de modo um tanto quanto enviesado e incompreendido, eis que Lampião – o sertanejo, continua ainda hoje(quem sabe) a pagar sozinho o alto preço de uma injustiça institucionalizada que se fizera madrasta dos necessitados ao longo de todo este tempo.
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(*) José Cícero ______
Professor, Pesquisador, Escritor
e Conselheiro do Cariri Cangaço.
Autor do livro 
"LAMPIÃO em Aurora: Anters e Depois de Mossoró"(Inédito)

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