segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A METAFÍSICA DA MORTE...*

Se me perguntares o que é a morte,
juro que preferiria falar da vida.
Porém se insistires tanto
eu  apenas diria:  
que a morte  é uma besta-fera.
Uma consequência de tudo, 
certo ou tardia. 
Uma mula velha perdida e endiabrada.
Um cio de cadela...
Uma jumenta tarada em disparada 
com uma bicheira doída abaixo da cia 
e além da sua cangaia torta. 
Além de uma ferida braba sobre as costas.
A burra louca da vida...
correndo em disparada
como a nos levar  pra longe no osso
ou   na lua da sua sela 
um tanto desgastada.
Uma égua parida e cansada
de tantas idas e vindas...
E se não for suficiente minha resposta,
direi ainda, que esta peste indigna
é uma megera ingrata que nos persegue.
Uma doença mal curada.
Uma íntima inimiga a nos pedir água
na soleira da nossa própria porta.
Ainda assim, se não for bastante,
direi  também que a morte é indolente.
Uma topada forte, um aperreio de vida.
Uma pereba braba, uma pancada no baixo ventre.
Uma coisa feia, uma bruxa pelada.
Quem sabe, a própria besta fubana
Uma maldade da bixiga lixa
Uma rapariga mundana.
Uma  lagartixa choca.
Uma cagada de pato. 
Uma indecente proposta.
Ainda, se a minha resposta não for boa,
direi também que a morte
é a mais indesejada das gentes.
Uma temeridade à toa, posto que é certa.
Uma cara feia e sisuda de coroa.
Um fantasma. Um cantada indelicada.
Uma asma noturna, uma dor de dente.
Uma sombra que nos acompanha.
Uma coisa ruim que que sempre enjoa.
Uma ladra que nos rouba dia e noite,
tanto a vida, quanto a paciência.
Ou ainda, quem sabe, uma covardia,
uma estrada longa, escura e desconhecida.
Uma fome dos seiscentos diabos
que por mais que nos coma, jamais sacia.
Uma macaca velha. Uma gia, uma serpente,
Uma sentença ingrata, uma inimiga.
Uma terrível visita inconveniente
que às vezes tarda mas nunca falta.
Uma coisa que nos atormenta, angustia e mata.
Uma abstração concreta.
Uma bicha amolengando a gente.
Uma doidice superlativa.
Uma brasa quente e sempre viva.
Uma filha da puta e de uma égua. 
Uma légua tirana que nos cansa.
Um porre e uma ressaca de cana fubuia.
Uma ninfomaníaca, uma queda de jumenta.
Uma usura ressabiada. 
Uma surra de cansanção, uma piada chata.
Uma briga de foice e faca às escuras.
Um canto de cerca.  Uma dor lascada de barriga 
acompanhada de uma caganeira.
Uma contradição existencial e política.
Uma estaca de jurema roxa
sobre a bunda e a consciência dos esnobes
que com seus dinheiros,
ainda se imaginam donos do mundo e da vida.
Uma praga. Uma alma penada noturna.
Uma comida insossa.
Uma metáfora estranha e esquisita.
Uma maldição que nunca passa.
Uma conta bancária absurda
que nunca se paga,
por mais que a gente insista.
Uma dívida cara, inexata e injusta.
Uma coisa ignóbil. 
Um pá de chifre de mulher feia.
Um chupa-cabra...
Uma fera do pasto solta pelas estradas
e por toda vida,
que sempre nos mata, nos come e vomita.
......................................
(*) José Cícero
In "Minhas Metáforas Prediletas" - inédito/2014
Aurora - CE.
foto ilustrativa: http://3.bp.blogspot.com

terça-feira, 12 de agosto de 2014

QUANDO DEUS CHAMOU RAIMUNDO*



- À memória de Raimundo Fidélis(Padim).
Quando Deus um dia chamou Raimundo
para uma prosa alegre.
Era um sábado, um feriado.
Manhã em claro.
Um dia clássico de Finado.
Deus disse - Estou um tanto entediado,
preciso de alguém ‘pra frente’.
De uma boa prosa.
Alguém que torça comigo o Flamengo.
Que me conte estórias edificantes,
piadas amenas e outras quentes.
Alguém que saiba muito
como o bom Raimundo.
Quem sabe, alguém que passara dos noventa.
Um cara de caráter, ‘boa gente’...
Pra ser meu conselheiro e meu amigo.
Que me conte coisas interessantes.
Que seja querido, ético e verdadeiro.
E quando Deus finalmente chamou: - Raimundo!
Ele respondeu, alegremente: " É isso"!
- Diga aí meu mestre!
Deus lhe confidenciou baixinho:
- Estais pronto?
E ele, com o sorriso de sempre.
Respondeu: - Só se for agora!
Pois há muito que já dei conta
do meu fardo e minha história.
Em seguida, num leve afago
Deus falou tão docemente:
- De fato, cumpriras fielmente
tua missão no mundo.
Dai-me as mãos: - Vamos Raimundo!
Vem comigo!..
Muitos estão a te esperar
lá em cima, no outro plano.
E “Padim” um tanto tranquilo
replicou de súbito:
- ora, ora... Então vamos.
Ainda olhou pro ambiente
como quem se despedindo.
E antes mesmo de cair no sono
foi logo dizendo:
- Adeus minha gente!
............................
(*) José Cícero
Aurora - CE
www.prosaeversojc.blogspot.com

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

PELO AVESSO*


Tudo o mais está esquisito ou estranho demais para meu juízo.
As borboletas não mais carregam sobre suas costas 
as belas manhãs do colorido primaveril antigo.
Meus olhos estão saturados de tantos escuros.
Nem mais as noites são carregadas como dantes
por imensas multidões de vaga-lumes.
Toda a estética do que era belo sumiu no plenilúnio.
Cansado de tanto brilho falso
o sol se escondeu no dia de domingo ou tirou férias...
Eis agora o inusitado cosmogânico 
em que a vida toda se encerra.
Não mais se escuta som de besouros pelo mundo.
Tampouco o barulho das águas frescas correndo nos rios
E o que sobrou dera lugar ao silêncio eterno.
Não há mais chuvas de janeiro nem maio.
Aromas de flores, perfumes dos ventos em seus assobios.
E sem as antigas estórias de trancoso
que alimentavam de sonhos os meninos
e de utopias bonitas os crescidos,
todos os passarinhos desde então,
estão dormindo muito...

Além do que é preciso para tecer as madrugadas.
Os bichos agora têm medo dos matos.
Há alienígenas e vodu por todo canto.
O ato de pensar passou a ser um risco e tanto.
E por conta disso, burros e cavalos 
agora estão pastando nos nossos quartos.
Lendo nossos livros de poesia e catecismo.
Macacos e lobisomens nos atormentam o senso crítico.
A ignorância dos irracionais venceu a inteligência dos homens.
Tudo o mais agora é vazio e tédio imenso... 
Nada mais possui o seu sentido prático.
A vida perdeu seu prumo e não tem sentido 
quem sabe num verso de Drummond e de Vinícius.
A metafísica das coisas caiu no ralo do banheiro.
O absurdo tomou conta por inteiro do racionalismo.
Estamos gregários e perdidos em absoluto
em meio a tantas ideias de rebanhos.
Desde muito, nenhuma filosofia nos basta...
O cosmo é a nossa própria pança.
Tudo o mais é puro desejo e outras vontades.
Há lixo demais no nosso pensamento contemporâneo.
A moda agora é ser medíocre. 
como  moderno é conseguir ser ignorante ao extremo.
Contudo, o poder mundano tem seu preço.
O castigo de Midas está apenas começando.
Silêncio profundo grita aos ouvidos dos elefantes.
Viver agora é um grande risco...
Existe um modismo sistemático de cachorro sardento.
Ser cínico e artificial é ser também elegante e bonito,
além de demasiadamente humano...
O segredo do sucesso é querer a qualquer custo 
levar vantagem em tudo
passando  o tempo todo a perna nos semelhantes.
Tudo está morto ou está mudo.
O solidarismo há muito morreu 
e não ressuscitou ao terceiro dia.
Os homens estão cada vez mais cegos
diante da barbárie e do exício 
pleno de idiotices, cheios de si mesmos.
A morte passou a comanda de vez o mundo.
Enquanto a fauna humana continua insistindo
brincando seriamente com o impossível.
Os homens continuam adormecidos

entretidos demais com o perigo.
Sem ainda se darem conta,
que nunca poderão comer dinheiro.
Ninguém aprendeu ainda a ser feliz.
De modo que, tudo que me resta é o sorriso
todas as vezes que "eles" me chamam de poeta louco.
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(*) José Cícero Silva
In Loucos e Insensatos - inédito 2014
Aurora - CE.