segunda-feira, 18 de junho de 2012

Quando conheci Clarice ...*

Por José Cícero

Hoje pela mais pura curiosidade que vez por outra me atormenta a alma e o espírito, resolvi beber um pouco mais do transbordante cálice literário de Clarice Lispector. Vez que há algum tempo estava por assim dizer, abstêmio do seu inebriante absinto poemático. Razão pela qual acredito que psicologicamente o meu íntimo encontra-se famélico e sedento da suculenta escrita claricense.

Justamente agora no aniversário dos 35 anos do seu desencarne. Quisera eu saber da escritora que há muito impregna a minha alma, desde os meus idos estudantis, quando pela primeira vez na vida, tive a chance e a oportunidade de entrar numa biblioteca farta, algo a que não estava habituado – A coleção completa das obras da escritora.

Quando um mundo novo, surreal e fantasioso se abriu diante de mim em toda a sua infinitude astronômica. E lá estava ela, Clarice Lispector(quase que de carne e osso) com o seu inigualável sorriso um tanto quanto subliminar. Olhos de segredos e de mistérios. Um olhar de vidro como diria Carlos Drummond de Andrade. Quase uma esfinge a nos escavacar por dentro, gritando alto em seu silêncio em milhões e milhões de metáforas. E assim, ela rompia a minha timidez com sua lavra grandiloqüente num oceano incrível de palavras. Eu apenas não compreendia porque quase ninguém, além de mim naquele ambiente escolar queria saber da poesia de Clarice. De modo que era uma estranha, quase uma ilustre desconhecida até mesmo para os mestres...

Olhava seu retrato sob a capa daqueles livros amarelados de tanta espera. Seus olhos eram mais significativos do que seu próprio nome. Adornados ligeiramente por um belo olhar oblíquo caucáciano, mas que me metia um certo medo ao passo que me enchia de curiosidade e estranhamento. Desde então, tomei conhecimento que uma tal de Ucrânia existia em algum lugar do mundo, assim como a própria poetisa Lispector a crescer viçosamente no solo capibaribano do Recife nordestino. E que só depois de algum tempo se instalaria no chão fluminense.

Esquadrinhei seu rosto sisudo e quase marmóreo. Riso torto escondido, talvez pela sua maneira diferente de ser verdadeira e intimista além da conta. Olhos inchados, quem sabe pelas noites em claro gastas na tessitura dos seus versos. Ou ainda até mesmo, encharcados de fumaça dos seus intermináveis cigarros a se esvair por entre seus dedos. E eu olhava seu semblante diametralmente oposto a todos os olhares nordestinos. Russa feição de mulher que escreve e pensa a vida. Suave e pesada face do mistério literário e, através da qual não mais enxergava o nosso Patativa, nem Rogaciano, nem Juvenal, Cego Aderaldo, nem Bil Pereira e, tampouco aquele ceguinho Oliveira com sua Rabeca roncosa da feira das ruas do Juazeiro ainda a encher minha cabeça de lembranças, sempre quando alguém falava de verso, cordel e poesia.

Acho que Clarice foi a minha primeira paixão adolescente. Quem sabe um lenitivo psicológico na ânsia de puder amenizar a minha solidão de estudante quase abandonado no internato, sobre a serra do colégio agrícola do Crato. Minha admiração pela poetisa ia muito além da sua produção literária. Penso hoje que a minha imaginação não tinha fim. Ficava a ponderar como seria os beijos daqueles lábios. O afago das suas mãos. Sua voz, assim como o meneio dos seus canelos soltos ao vento das praias do Leblon... Clarice era de fato, uma paixão de menino a que a poesia me dera de presente.

De forma que, a partir daquele instante inusitado, era a mulher Lispector que tomava de conta do meu senso adolescente de leitor neófito e estudante. Um sonhador em seus devaneios sem tamanho que também se imaginava um dia fazer seus próprios versos e dedicá-los todos à Lispector.

Tentei naquele primeiro momento conhecê-la com a natural sofreguidão dos pequenos, mergulhar dentro dos seus olhos carregados de silêncio. Mas os olhos de Lispector eram profundos demais para o meu Eu menino diante das coisas do mundo. Um oceano imenso a ligar dois mundos eqüidistantes por uma variedade indescritível de sentimentos. Medroso e desconfiado demais das coisas escritas que vinham de longe eu me recolhia e chorava poeticamente por dentro.

Mas aquela escritora me seduziu ao extremo, ao ponto de me entregar a ela como um condenado que se entrega ao carrasco. Sorvi seus livros em infindos goles demasiados. E diria que ainda hoje, sinto-me por conta deles, assaz embriagado com a sensibilidade poética de Lispector.

Sentia um incontrolável desejo de devorar de uma vez por todas os seus livros. A Ucrânia agora era como o quintal de casa e o Recife o terreiro da frente. A poesia de Clarice me levava a isso – puro desvario. Por meio dos seus livros, ganhei o oco do mundo, como um cavaleiro andante dos céus montado nos contos fantásticos e nos poemas de Lispertor. Travesti-me de vez de dom Quixote e Sancho Pança. Clarice seria por fim, minha Dulcinéia. E desde então, nunca mais fui o mesmo. Posto que cresci enormemente quando a conheci em seus maravilhoso versos...
Virei gigante através da prosa e da poética daquela escritora fenomenal a quem muitos a definem como hermética e fria. Mas que eu absorvia em linguagem como ninguém, muito além dos imagináveis meneios poemáticos de mulher; musa poetisa que conseguira cantar em todas as suas dores e o seu silêncio literário os segredos da vida, as alegrias, assim como as tristezas do mundo, por meio do verso perfeito e de uma prosa ardente e fascinante.

Devo muito a Clarice. De modo que hoje, no aniversário dos 35 anos da sua morte clamo aos deuses da poesia que transmitam a Lispector toda a minha gratidão pelos seus escritos que me abriram os olhos para a vida e a mente para o imponderável existencial.
Informe:
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia em 1920. Morreu um dia antes de completar 57 anos, em 9 de dezembro de 1977 no Rio de Janeiro.
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(*) Prof. José Cícero
Secretário de Cultura
Aurora - CE
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